Mozart, Wolfgang Amadeus
Falando de Mozart, assim se
expressou o musicólogo inglês Richard Baker em sua biografia do mestre:
"Surpreendente em todos os tipos de música a que se dedicou, soberbo na
música sinfônica e de câmara, foi o criador do concerto para piano como o
conhecemos, produziu magníficas obras corais e talvez tenha sido o maior de
todos os compositores de ópera.”.
Wolfgang Amadeus Mozart nasceu em
Salzburg, Áustria, em 27 de janeiro de 1756. Seu pai, Leopold Mozart, era
compositor e mestre de capela do príncipe-arcebispo de Salzburg e foi o
principal professor dos filhos Wolfgang e Maria Anna, ambos de incomum aptidão
para a música. Desde os três anos de idade, o menino estudou cravo com o pai.
Aos cinco já compunha e, aos sete, teve quatro sonatas publicadas. Em 1762, o
pai levou-o a Viena, onde Mozart e a irmã tocaram para a imperatriz Maria
Teresa, e depois a várias cidades alemãs, Paris e Londres. Ali se demoraram um
ano e meio e Wolfgang conheceu Johann Christian Bach, que exerceu influência
sobre suas obras "galantes" da época.
Aos 11 anos Mozart já compunha
óperas. Era, ao mesmo tempo, um menino de extrema habilidade nos jogos e de
erotismo precoce. Suas cartas para a irmã continham sempre ditos jocosos e
obscenos. Foi em 1770 que, depois de ouvir com o pai o coro da capela Sistina
cantar o Miserere de Gregorio Allegri, de reprodução proibida, chegou em casa e
passou-o todo para o papel. Entre 1770 e 1773 viajou por toda Itália, e óperas
suas foram representadas em Milão. Aos 16 anos já compusera 135 obras de todos
os gêneros.
Suas relações com o novo e
autoritário arcebispo de Salzburg não foram boas. Depois de se apaixonar pela
cantora Aloysia Weber, que acabou por rejeitá-lo, Mozart passou a excursionar
com a mãe, que em 1778 adoeceu e morreu em Paris. Em 1779 Mozart assumiu, em
Salzburg, o posto de organista da corte. Em 1781, ao romper de vez com o
arcebispo de Salzburg, estabeleceu-se em Viena, onde o aguardava a competição
com Muzio Clementi e com o diretor da Ópera, Antonio Salieri. Em 1782 casou-se
com Constanze Weber, irmã de Aloysia e sua mulher até o fim da vida. Em 1784,
ingressou na maçonaria e em 1785 publicou os quartetos de cordas dedicados a
Haydn. Este, sempre muito formal, mostrou-se maravilhado.
Nos dez últimos anos de vida
Mozart enfrentou graves dificuldades financeiras, pouco atenuadas a partir de
1787, quando o imperador José II lhe concedeu pensão anual de Kammermusicus
(compositor da corte), posto antes ocupado por Christoph Gluck. Foi o ano da
estréia da ópera Don Giovanni, mas também o da morte de seu pai. A saúde de
Mozart, sempre frágil, piorou bastante no começo de 1791. Trabalhando
intensamente, apresentou fortes sintomas de doença renal crônica e recebeu a
visita de um nobre, o conde Walsegg-Stuppach, que lhe encomendou um réquiem,
pretendendo fazê-lo passar por seu para homenagear a mulher morta. Mozart
dedicou-se a compor essa peça como seu próprio réquiem.
Significado da obra. Mozart
costuma ser apresentado como elo entre Haydn e Beethoven na cadeia do classicismo
vienense. A classificação não corresponde à verdadeira posição do compositor.
Não foi o continuador de Haydn nem o precursor de Beethoven, se bem que sejam
inegáveis suas antecipações beethovenianas, por exemplo, nos últimos concertos
para piano e na sinfonia 41, Júpiter.
Ao contrário de Haydn, que se
valeu do folclore austríaco, húngaro e eslavo, Mozart foi italianizante: usou
sobretudo a linguagem de seu tempo, de modo que sua obra, na aparência, se
articula segundo o gosto mais corrente da época. Em suas mãos, no entanto, esse
material cintila ao mesmo tempo com uma chama inteiramente singular e uma
eficiência inconfundível: seu poderoso senso arquitetônico elaborou estruturas
perfeitas, tanto na música instrumental como dramática. Foi, portanto, pela
disciplina formal, um clássico.
Discute-se, porém, se não foi,
pelo espírito, um pré-romântico, inclusive psicossocialmente, pois não aceitava
o vínculo de servidão para com a nobreza, como seus antecessores. Desfez-se,
com o tempo, a imagem de um Mozart rococó, brilhante e preciosista. Dessa
tendência é só sua música juvenil, ou de encomenda. O Mozart por excelência é
ora trágico e de profunda melancolia (no auge de sua música de câmara e nas
missas, de fundo mais dramático que religioso), ora irônico e sarcástico, em
suas óperas "cômicas". Não se pode subestimar a lúcida identificação
de Mozart com o espírito do fim do século XVIII -- racional e rebelde,
iluminista e libertino.
O K. que identifica as obras de
Mozart, seguido do número que lhes designa a ordem cronológica, refere-se a
Ludwig von Köchel, que organizou o catálogo das obras do compositor, publicado
em 1862 e revisto por Alfred Einstein em 1937.
Música vocal. Compositor
essencialmente vocal, Mozart expressou na ópera o essencial de seu talento.
Entre suas 15 óperas, sobressaem seis, todas do último período da vida:
Idomeneo, rè di Creta (1781), é influenciada por Gluck, e Die Entführung aus
dem Serail (1782; O rapto do serralho), é comédia brilhante, onde a música
supera todas as falhas da estrutura dramática, muito mais segura em Le nozze di
Figaro (1786; As bodas de Fígaro), socialmente subversiva para a época, e do
início de sua colaboração com o libretista Lorenzo Da Ponte.
Don Giovanni (1787) é certamente
a mais ampla dessas obras-primas. Apesar do subtítulo de dramma giocoso, que
exprime por certo a intenção de Da Ponte, é a ópera mais complexa e ousada de
Mozart, e a mais polivalente, pois resume, em seus acentos ao mesmo tempo
trágicos, eróticos e burlescos, a própria existência humana. Na comédia de
equívocos Così fan tutte (1790; Assim fazem todas), também em colaboração com
Da Ponte, o tom é deliberadamente artificial e faz-se retrato irônico da
frivolidade burguesa, magistralmente sugerida e expressa com a música,
integrada ao texto.
Surge depois a ópera mais
heterogênea de Mozart, Die Zauberflöte (1791; A flauta mágica). Das
extravagâncias do libreto, Mozart extraiu obra de encantadora riqueza humana,
síntese de ópera séria, comédia musical popular, tragédia filosófica e drama
sentimental.
Pouco afeito à religião, Mozart
compôs por dever profissional, na corte eclesiástica, grande variedade de peças
litúrgicas que, como a famosa Missa da coroação, K. 317 (1779) e a missa K. 427
(1783), não têm a gravidade comum ao gênero e são, por isso mesmo, de
fascinante substância dramática, que anuncia o primoroso motete Ave, verum
corpus, K. 618 (1791) e o réquiem K. 626 (1791), de conteúdo mais patético do
que litúrgico, obra-prima composta às vésperas da morte.
Música sinfônica. Entre mais de
600 títulos, Mozart escreveu 56 sinfonias. Como foram elaboradas em fases
distintas, dão idéia clara da evolução estilística. As obras-primas são da fase
final e revelam a sabedoria da arquitetura musical mozartiana: nº 35 (Haffner),
K. 385 (1782), nº 36 (Linz), K. 425 (1783), nº 38 (Praga), K. 504 (1786), nº
39, K. 543 (1788), nº 40, K. 550 (1788) e nº 41 (Júpiter), K. 551 (1788).
A forma do concerto ainda estava
indefinida na metade do século XVIII. Os concertos de Mozart, inclusive os para
outros instrumentos e orquestra, marcaram decisivamente a formação do gênero,
conferindo-lhe a estrutura que manteve, em linhas gerais, até o século XX. São
admiráveis, entre seus 21 concertos para piano, sobretudo os K. 466 (1785), K.
482 (1785), K. 488 (1786), K. 491 (1786), K. 537 (1788) e K. 595 (1791). Dos
concertos para outros instrumentos, o para clarinete e orquestra, K. 622 (1791)
é uma das últimas jóias de Mozart, mas não o desmerece a inventividade melódica
de muitos dos concertos para violino, oboé, flauta, fagote e trompa.
Piano e música de câmara. As
obras para piano solo de Mozart vão, ao longo de 25 sonatas, do mágico rococó
da sonata em lá maior K. 331 (1778) até a intensidade contagiante da sonata em
dó maior K. 457 (1784), pré-beethoveniana. É na música de câmara, porém, zona
de sombra entre a esfuziante energia e a angústia desolada, que se revela mais
densa a personalidade de Mozart, no avesso da imagem de um compositor
brilhante, mas "fácil", como ainda se mostra, generosamente, na Eine
Kleine Nachtmusik, K. 525 (1787; Um pequeno sarau noturno).
As mais expressivas obras
camerísticas de Mozart, também dos anos finais, encerram um mundo de surpresas,
como a riqueza temática e emocional que se esconde no nome do divertimento para
trio de cordas K. 563 (1788), ou o vigor quase febril da sonata para violino e
piano K. 526 (1787), e a austera melancolia do trio para clarinete, piano e
viola K. 498 (1786).
O nível mais alto, contudo, é
atingido nos seis quartetos de cordas dedicados a Haydn, entre seus 26: K. 387
(1782), K. 421 (1783), K. 428 (1783), K. 464 (1784; Dissonâncias), K. 465
(1785; A caça) e K. 458 (1784). Ao lado do experimentalismo formal, revelam
aguda introspecção e, no quarteto Dissonâncias, de tonalidade indeterminada,
Mozart realizou sua mais corajosa inovação harmônica. Não são, porém, menos
preciosos em calor e profundidade psicológica os quintetos de cordas K. 515,
516, 593 e 614.
Mozart morreu em Viena, em 5 de
dezembro de 1791, ao que se acredita vitimado por uma "febre inflamatória
reumática". Nada corrobora as versões segundo as quais teria sido
envenenado, por Salieri ou outra pessoa. Seu sepultamento numa vala comum era
costumeiro na Viena da época para pessoas de sua condição social, e um pequeno
grupo de amigos compareceu ao funeral.
Wolfgang Amadeus Mozart
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